Como foi o inicio do ano, a Mãe pediu que eu fizesse uma carta a apresentar-me as meus novos amigos e às educadoras.
Não percebi para que é que a Mãe disse para eu fazer a carta, mas fiz-lhe a vontade.
Pedi ajuda a uma amiguinha que também tem Trissomia 21 (a Vera) e que a Mãe também lhe pediu para escrever uma carta aos colegas.
O resultado foi o que segue:
"Olá queridas crianças, pais e amigos do Jardim-de-infância da Castanheira do Ribatejo.
Chamo-me Bruno, tenho quase 5 anos e já há um ano que estou neste Jardim-de-infância. No ano passado estive na sala Azul, com a Educadora Maria José.
Talvez achem estranho que isto seja razão para escrever uma carta, afinal também vocês estão no infantário e nem, por isso, escrevem uma carta.
Foi isto mesmo que eu disse à minha Mãe. O que é que é tão especial na mudança de sala, a ponto de ter que escrever uma carta? Mas a minha Mãe acha que vos devia falar um pouco de mim. Ela acha que nos próximos tempos eu vos posso parecer um pouco diferente. A minha Mãe acha importante explicar-vos porque é que às vezes posso parecer um pouco diferente de vocês.
Eu cá acho que sou bem fixe, assim como sou e nem entendo, o que é que é diferente em mim. Enfim, se a minha Mãe acha tudo isto e se se sente mais feliz, faço-lhe este favor e escrevo a carta.
Quando conheci a minha Mãe, disseram-lhe que eu tinha Síndrome Down, nome do médico inglês Langdon Down que descobriu esta Síndrome.
Ter Síndrome Down significa que que cada célula do meu corpo tem 47 cromossomas (é assim que se chama aqueles pequenos pacotinhos que contem toda a nossa informação genética) em vez de 46. Tenho um cromossoma a mais. Também se pode chamar de trissomia 21, porque se trata de um cromossoma adicional no par 21.
A Síndrome Down não é uma doença (muito menos contagiosa), por isso não tem cura. É errado falar, como por vezes se ouve por aí, do chamado Morbus (= latim: doença) Down. Eu cá sou bastante saudável.
Pessoas com Síndrome Down também não são mais perigosas ou loucas do que as pessoas sem Síndrome.
Também é errado falar de Mongolóides ou pessoas mongolóides. Pessoas com Síndrome Down têm por vezes os olhos mais rasgasdos, mas não pertencem, por isso, ao respeitável povo Mongole. Eu cá tenho um bilhete de identidade português, não tenho um mongole. Mas quando for grande quero viajar muito e, talvez nessa altura, visite a Republica Popular da Mongólia e encontre lá mongóis com Síndrome Down.
A minha Mãe disse-me que devido à minha Síndrome eu por vezes serei um pouco mais lento em certas coisas. Diz também que eu vou aprender tudo, também mais tarde na escola vou aprender a ler, a escrever e a fazer contas. De vez em quando vou é precisar de mais tempo. Mas vocês também não são todos iguais. Alguns de vocês são mais rápidos e outros mais lentos e eu, provavelmente serei daqueles que precisam um pouco mais de tempo.
Esta conversa da minha Mãe sobre a Síndrome Down e sobre o aprender aborrece-me um pouco. Eu cá prefiro brincar e de preferência com os meus amigos do Jardim-de-infância. O que é que interessa o que cada um de nós tem? Ou vocês apresentar-se-íam assim: Sou o fulano, sou míupe, hiperactivo, agressivo, gordo e a minha perna direita é mais curta que a esquerda?
Aliás tenho imensa pena que o nome do senhor que descobriu a minha Sídrome se chamasse Down, que em inglês significa “para baixo” ou “em baixo”. Eu cá sinto-me mais “para cima” ou “Up”. O meu primo mais pequenino, o Tiago, também concorda comigo quando lhe dou um daqueles grandes abraços e beijinhos. Tenho mesmo pena que não se fale da Síndrome Up.
Bem, parece-me que já falei bastante de mim. Agora é a vossa vez, talvez me possam contar quando estivermos a brincar, tenho a certeza que vamos descobrir que todos somos diferentes. O mais importante é que todos nós, independentemente de nos chamarmos Bruno, Vera, Luís ou Tiago nos possamos divertir na nossa escola.
Se ainda tiverem perguntas relativamente à minha carta ou em relação a mim, podem sempre falar com a minha Mãe.
Estou ansioso para que possamos brincar juntos.
Bruno"
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